Quando a ansiedade vira Globus Hystericus

//Quando a ansiedade vira Globus Hystericus

Quando a ansiedade vira Globus Hystericus

A história de Marcos poderia ser a de qualquer um de nós. Ele vivia uma batalha silenciosa e diária, não em um campo de guerra, mas dentro do seu próprio corpo. Seus inimigos eram velhos conhecidos: azia, queimação, má digestão e uma constante sensação de estômago pesado. Sua rotina era ditada por eles. Almoços de trabalho eram um campo minado, jantares com amigos, uma aposta arriscada.

Marcos se tornou um especialista em sua própria condição. Passou por inúmeros médicos, colecionou pedidos de exames e se submeteu a todos eles. O resultado era sempre o mesmo, um misto de alívio e frustração: “Não encontramos nada de errado com você”. Enquanto uma parte dele se alegrava por não ter uma doença grave, a outra se desesperava. O desconforto era real, palpável. Seu bolso se tornou uma farmácia ambulante, um “kit de sobrevivência” com antiácidos e digestivos para tentar aplacar os sintomas que surgiam sem aviso e sem causa aparente. Com o tempo, ele se resignou e aprendeu a conviver com seu companheiro diário de desconforto.

Até que a vida, como sempre faz, trouxe um novo desafio. Uma fase de alta pressão no trabalho, com projetos complexos e decisões delicadas, começou a cobrar seu preço. Sentindo-se esgotado e estressado, Marcos decidiu procurar terapia. O foco era claro: aprender a gerenciar o estresse profissional. Seu estômago, a essa altura, era apenas um ruído de fundo em sua vida.

Nas sessões de terapia, eles não falaram sobre refluxo ou digestão. Falaram sobre prazos, medos, a dificuldade de dizer “não” e a pressão que ele colocava sobre si mesmo. Semana após semana, ao desenvolver novas ferramentas para lidar com a ansiedade, algo inesperado começou a acontecer.

Um dia, Marcos chegou à sessão com uma expressão de surpresa. “Aconteceu uma coisa muito interessante”, ele disse. “Aqueles problemas de estômago que eu tenho há anos… eles simplesmente diminuíram a ponto de quase desaparecerem”. Foi uma revelação. Ficou claro que todo aquele sofrimento gástrico era, na verdade, uma manifestação física da sua ansiedade. A busca incessante por uma resposta em exames e consultórios não encontrava uma causa orgânica porque a raiz do problema não estava no órgão, mas na emoção. Esse fenômeno, em que o sofrimento mental se expressa através de sintomas físicos genuínos, é conhecido como somatização.

Mas a revelação mais profunda ainda estava por vir. Perto do final de um dos encontros, Marcos comentou, quase como um pensamento aleatório: “Sabe, eu nunca te falei isso, mas eu sempre tive um nó na garganta. Era constante, e ele sumiu. Acho que ele estava ali há tanto tempo que eu me acostumei, por isso nunca nem mencionei”.

Esse “nó” que Marcos descreveu não era apenas uma sensação vaga. Ele tem um nome.

Aprofundando o Assunto: O Que é o Globus Hystericus?
O que Marcos sentia é clinicamente conhecido como

Globus Pharyngis, ou, historicamente, Globus Hystericus. Trata-se da sensação persistente de ter um caroço, uma obstrução ou um corpo estranho na garganta, sem que exista qualquer anomalia física que a justifique.

É um exemplo perfeito da complexa e inseparável conexão entre mente e corpo. Sua origem não é única, mas sim uma confluência de fatores:

  1. Componente Muscular: Acredita-se que um dos mecanismos centrais seja o aumento da tensão nos músculos da faringe e no esfíncter superior do esôfago. A ansiedade nos prepara para “luta ou fuga”, e isso inclui tensionar músculos, inclusive os da garganta.
  2. Fatores Gástricos: A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é frequentemente um fator contribuinte. Pequenas quantidades de ácido estomacal que sobem podem causar uma inflamação ou irritação crônica na garganta, aumentando a sensibilidade da área e contribuindo para a sensação de “nó”.
  3. Componente Psicogênico: Aqui está a peça-chave. O sintoma tem uma associação fortíssima com estados de ansiedade, estresse e a supressão de emoções. O estresse agudo piora significativamente a percepção da sensação.

O Círculo Vicioso da Ansiedade e do Sintoma
O mais fascinante é como esses fatores interagem, criando um círculo vicioso. Não se trata de “apenas ansiedade” ou “apenas refluxo”. A ansiedade crônica provoca um fenômeno chamado hipersensibilidade visceral. Isso significa que o cérebro fica tão hipervigilante que passa a interpretar sensações corporais normais ou leves como se fossem intensas, anormais e ameaçadoras.

Então, imagine o cenário de Marcos:

  • A ansiedade do trabalho tensiona os músculos da sua garganta.
  • Essa mesma ansiedade faz seu cérebro ficar em “alerta máximo”, amplificando qualquer sensação.
  • Um refluxo muito leve, que outra pessoa talvez nem sentisse, sobe e causa uma mínima irritação.

O cérebro hipersensível de Marcos interpreta essa pequena irritação como um “nó” alarmante e ameaçador.

O resultado? A sensação física do nó gera mais ansiedade (“O que é isso? Será que é algo grave?”), e essa ansiedade, por sua vez, aumenta a tensão muscular e a sensibilidade, piorando ainda mais a sensação do nó.

A história de Marcos nos ensina uma lição valiosa. Muitas vezes, nosso corpo fala o que a mente tenta silenciar. Sintomas físicos persistentes e sem diagnóstico claro podem não ser um sinal de que os médicos não encontraram o problema, mas sim de que talvez estejamos procurando no lugar errado. Se a jornada de Marcos ressoou com você, talvez seja um convite para olhar para além do sintoma e perguntar: o que minha ansiedade está tentando me dizer?

*História baseada em fatos reais. Os nomes e imagens foram alterados para preservar a identidade do protagonista.

By |2025-09-14T15:31:04-03:00setembro 14th, 2025|Atualizações|0 Comments

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✔ Psicólogo (CRP 0742591) & Mentor de Desenvolvimento Humano em Empresas ✔ Graduado em Psicologia & Administração de Empresas ✔ Pós-graduado em Neuropsicologia, Neuroliderança, Psicologia (lato sensu) & Mentoria Empresarial ✔ Treinador Comportamental (IFT-SP) 🌱 Especialista em Hipnose Generativa 💚 Psicoterapia Breve